Sunday, July 29, 2012

Vou pelo ralo

Não gosto de tomar banho
Sinto que cada vez que o faço aquele que sou e que fui se vai pelo ralo.
E tenho medo.
Tenho medo porque não sei quem sou e desconheço a nova película que me dá forma.
Olho ao espelho e tudo parece igual, mas não é. Estou diferente, sou diferente. Tenho uma nova camada. Um novo conjunto de células que se formou e teima em me manter aqui. Se elas não existissem eu seria energia, seria ar, estaria em todo o lado sem deixar de estar aqui também. Quero ser dono do mundo, conhece-lo, senti-lo, olha-lo… mas não consigo, esta membrana, que se escama e se vai pelo ralo, não me deixa estar em todo o lado. Mas agora que penso nisso… eu faço parte de tudo e de todos, estou na água que percorre o mundo, essência da vida, estou na água que segue para os esgotos e completa o ciclo que dá a vida. Afinal eu percorro o mundo, os céus, encho as nuvens e sou transportado pelo vento. Caio sobre os corpos desprevenidos e fundo-me com as suas peles. Estou nos salpicos de alegria que as crianças criam quando, em dias de chuva, saltam sobre as poças de água enlameada. Sou ambiente de leitura e romance quando bato nas janelas e nas persianas. E vendo bem as coisas, voamos todos juntos, as nossas células que supúnhamos mortas, vivem juntas e entrelaçadas por esse mundo fora e tudo porque tomámos banho e nos deixamos ir pelo ralo.
Não me conheces, mas eu já acariciei a tua pele. Não me conheces, mas já desci pela tua boca. Não me conheces, mas já afaguei os teus cabelos. Parte de mim já tocou o teu corpo e ficou agarrada a tua roupa, levaste-me para casa, para a tua casa, recebeste-me e tornaste-me parte da tua vida.  E no fim libertaste-me num banho que tomaste e me atiraste para o ralo, sem dares valor ao meu acariciar de pele, ao meu gotejar na tua boca e ao passar pelos teus cabelos. Mas, sem dares por isso, parte de ti, parte agora com parte de mim, juntos partimos pelo mundo.

2 comments:

P. P. said...

Uma perspetiva q entendi.
Pessoalmente continuo a preferir os banhos com essências, onde me (te) encontro.
Abraço.

PhoenixOcean said...

:)
Comecei por criticar o banho por nos despir do que somos e fomos e nos expor ao presente e ao amanhã. Mas depois vi o banho como uma forma de nos por em comunhão com tudo e todos. Também adoro o meu banhinho :p